A situação do avalista no ambiente da recuperação judicial
A recuperação judicial de empresas é uma proteção legal garantida pela Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 - LRF, no sentido de salvaguardar a atividade econômica de empresa em momentânea e superável dificuldade financeira, objetivando garantir a manutenção da fonte produtora, emprego dos trabalhadores e interesses dos credores.A recuperação judicial de empresas é uma proteção legal garantida pela Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 - LRF, no sentido de salvaguardar a atividade econômica de empresa em momentânea e superável dificuldade financeira, objetivando garantir a manutenção da fonte produtora, emprego dos trabalhadores e interesses dos credores.
Tópico de grande interesse para os operadores do direito e empresários é a situação do avalista no ambiente da recuperação judicial.
O ponto de partida é a interpretação do art. 6º da LRF: “O deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.”
Sobre tal questão, o entendimento jurisprudencial evoluiu e a visão dos tribunais, após idas e vindas, tende a se estabilizar.
Após ampla discussão doutrinária e jurisprudencial, hoje, pode-se concluir que a expressão “credores particulares do sócio solidário”, refere-se, apenas, ao sócio cuja responsabilidade seja ilimitada, por ele responder solidariamente com o devedor principal. Exclui, portanto, e vale a pena frisar, o sócio de sociedade limitada, exatamente por ser sua responsabilidade limitada. Os chamados marcos doutrinários ou jurisprudenciais sobre a questão merecem referência.
O primeiro passo para se chegar ao momento atual se deu no ano de 2010. Em evento promovido pelo Instituto Nacional de Recuperação Empresarial, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou que “não faz sentido salvar a empresa e quebrar o empresário que a avalizou”. Foi possível, a partir de então, observar decisões no sentido de estender os efeitos da recuperação judicial aos avalistas.
No entanto, em 2014, o STJ firmou, em julgamento de Recurso Repetitivo (REsp 1.333.349/SP), posição contrária sobre a matéria.
A tese firmada reconheceu não impedir a recuperação judicial do devedor principal, o prosseguimento das execuções, nem tampouco induzir a suspensão ou a extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral.
Foi só o início. As discussões doutrinárias e a oscilação de decisões judiciais não cessaram.
Dando sequência ao amadurecimento de tão importante debate, no segundo semestre de 2016, a 3ª Turma do STJ julgou o Recurso Especial nº 1.532.943/MT, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, e reconheceu ser inadequado não se acatar a supressão das garantias reais ou aquelas prestadas pelos coobrigados caso constasse do plano de recuperação judicial devidamente aprovado por seus credores.
De um lado, portanto, tem-se um recurso repetitivo que reconhece não deverem, as execuções, ser suspensas ou extintas, em face dos avalistas. De outro, tem-se a decisão da 3ª Turma do STJ que reconhece ser possível a extensão do benefício aos avalistas caso conste no plano de recuperação judicial e os credores assim o tenham aprovado.
Dada a sutileza da matéria central de aplicação de cada uma das decisões acima apresentadas, percebe-se a dificuldade dos Tribunais Estaduais em diferenciar o conteúdo de cada uma delas. Há decisões em ambos os sentidos, por vezes em Câmaras distintas de um mesmo Tribunal. É imperativo entender não serem as decisões conflitantes, como abaixo se demonstrará.
O recurso repetitivo impede a extensão automática dos efeitos da Recuperação Judicial aos avalistas. O mero deferimento do processamento da recuperação judicial ou a homologação do plano não garante, como determina essa decisão, nenhum benefício aos avalistas.
Por sua vez, a decisão da 3ª Turma do STJ reconhece a legitimidade da exceção, que se dá quando tal previsão constar no plano e for aprovada pelos credores.
Para se compreender a diferença entre os dois julgados, foi necessário o reconhecimento formal entre uma situação e outra, via recurso específico.
Essa sutileza foi finalmente enfrentada nos Embargos de Divergência tombados sob o mesmo número do Recurso Especial da 3ª Turma do STJ, relatado pela ministra Maria Isabel Gallotti, em decisão em fase de Embargos de Declaração publicada em 1º de agosto de 2018 e pacificou a discussão no sentido de que a extensão dos efeitos da Recuperação Judicial aos coobrigados somente se dará quando os credores aprovarem Plano de Recuperação Judicial com tal previsão.
Os Embargos de Divergência acima consolidaram o entendimento pacífico da autonomia da Assembleia Geral de Credores, sem que a presente exceção esteja em desalinho com o que determinou o STJ no Recurso Repetitivo mencionado.
É de se destacar trecho dos Embargos de Divergência:
“Tenho que a divergência não está demonstrada.
Primeiramente porque os acórdãos paradigmas tratam de matéria diversa, relativa ao prosseguimento das execuções em desfavor dos coobrigados, enquanto o julgado paragonado trata da suspensão das garantias reais e fidejussórias em relação ao devedor principal, se assim decidido pela maioria dos credores de cada classe no plano de recuperação judicial, o que vincula a minoria que não anuiu.
Em segundo lugar, a divergência nem mesmo reflexamente ocorreu.”
A objetividade da transcrição acima feita espanta qualquer dúvida a respeito do assunto.
Nessa toada, os citados Embargos de Divergência foram levados em consideração no julgamento do Agravo Interno, processo nº. 5156145-80.2017.8.09.0000, interposto contra decisão do Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que negou seguimento a Recurso Especial.
Foi dado provimento ao Agravo Interno em julgamento do dia 8 de agosto de 2018 pela Corte Especial do Tribunal goiano, no sentido de determinar a remessa do Recurso Especial ao STJ, por reconhecer a diferença entre os precedentes, garantindo a ampla discussão da matéria na Corte Superior.
É de se concluir, portanto, que a recente decisão trará maior segurança jurídica para todos os envolvidos em um processo de recuperação judicial, considerando o poder dos credores em analisar a viabilidade em se manter ou excluir o aval atrelado ao soerguimento da empresa recuperanda.